1 – Começo o novo ano envolvida na organização do programa de duas comemorações, que, para mim, se interligam. Uma que será celebrada no País inteiro, o cinquentenário de Abril 74, e outra que se desenrola no círculo (ainda) restrito de admiradores de Maria Archer, Mulher de Letras nascida, neste mês de janeiro, há 125 anos. Objetivo: recolocar, na História da Revolução, a insubmissa cidadã que pôs a sua pena ao serviço de ideias e de causas proibidas, em luta pela liberdade e pela justiça. Juntamos as duas efemérides, para que a escritora revolucionária, condenada pela ditadura a um longo exílio no Brasil, regresse, assim, através da nossa memória, ao convívio nacional, trazendo consigo a grande romancista, que tem andado injustamente esquecida na História da Literatura…
De momento, ela é bem mais estudada e reconhecida nos meios académicos do Brasil do que em Portugal, mas, lá como aqui, foi descoberta, antes de mais, pela força e modernidade da sua “escrita de intervenção” e como incomparável retratista de mulheres num tempo português cinzento e opressivo, em que elas não tinham lugar igual nem na “res publica”, nem na vida privada e na família. E, por isso, não é surpreendente que dois dos maiores especialistas brasileiros na obra de Maria Archer, Elisabeth Battista e Márcio Cantarin, venham a Portugal, com o proclamado propósito de celebrar o 25 de Abril. Recebi a notícia com um misto de contentamento e de apreensão, esperando que, dentro de três meses, o estado da nossa democracia não ensombre a festa…
2 – Durante a sua estada em Portugal, ambos os professores participarão em várias conferências sobre Archer, precursora de Abril, organizadas pela Associação Mulher Migrante, pelo Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer e os seus parceiros no mundo académico. Todavia, isso será apenas uma parte da sua agenda. O que mais será, a nível oficial, oferecido, nessa data, a um visitante? Procurei informar-me, consultando os programas da Comissão das Comemorações no Google e no Facebook”. Desde a substituição do 1º Comissário, Pedro Adão e Silva, atual Ministro da Cultura, por Maria Inácia Rezola, (personalidade com mais vasto currículo académico, mas perfil muito menos mediático), nunca mais soube o que fazia a Comissão… Para saber, é preciso ir às redes sociais. Eu lá fui e constatei que o programa, com início em 2022 e termo em 2026, não perdeu a ambição nem versatilidade, desdobrando-se em múltiplos colóquios, exposições, concertos, linhas de investigação, edições de livros, concursos para jovens, recolha de testemunhos sobre o antes e o depois da Revolução, etc., etc…. Essas iniciativas pretendem cobrir todo o país, a Diáspora, cada um dos PALOP, e Timor-Leste, e muitas são desenvolvidas em articulação com instituições públicas e privadas, autarquias, universidades e escolas e outros parceiros variados. A abrangência é, assim, proclamada, mas parece-me que a maioria dos eventos se situa em Lisboa, o que não deve espantar-nos no país mais centralista da Europa. É pena. A descentralização teria valido a pena, e não seria difícil de operacionalizar, convertendo as autarquias em parceiro estratégico – as autarquias todas, de norte a sul, sem esquecer as ilhas, o que permitiria promover, um pouco por todo o lado, comemorações efetivamente vividas pelo povo, em ações de proximidade e com a visibilidade nacional, que lhe tem faltado nos grandes media, ainda que abunde nas plataformas digitais. As comemorações do centenário da República, para citar um exemplo ainda recente, terão sido, neste aspeto, bem mais conseguidas…
Subscreva a Defesa de Espinho
Esta é uma noticia premium. Por favor subscreva para ter acesso ao artigo completo.
Assinatura
Aceda a todo o conteúdo premium.Mais de 100 artigos.
Acesso ao arquivo Defesa de Espinho
Desbloquear Artigo
Desbloqueie apenas os artigos que pretenda.Tenha acesso permanente aos mesmos.