A conquista esperada e inesperada da Quinta de Paramos

A última vez que o clube tinha vencido um campeonato da 1.ª divisão de futebol popular tinha sido há 25 anos. Depois de um jejum tão extenso, o título surgiu quando poucos esperavam, graças a um registo defensivo difícil de igualar. E claro, a capacidade de marcar golos e somar vitórias atrás de vitórias.No panorama do futebol popular espinhense, ainda faltam disputar muitos jogos e, consequentemente, ainda há muitas decisões para se confirmar, como subidas, descidas e conquistas de troféus. De qualquer forma, parece irremediável que um dos destaques da temporada 2023-2024, ou até o principal destaque, é a prestação da Quinta de Paramos na 1.ª divisão RSTAR. O emblema paramense foi campeão na 15.º jornada da prova, depois de uma vitória esclarecedora por 4-0 frente às Águias Paramos, e pôs fim a um jejum de 25 anos sem conquistar esta competição. Esta foi a primeira época do treinador Paulo Peralta à frente dos novos campeões, que já vinha a “namorar a ideia de ocupar este cargo” há algum tempo. “O que me levou a querer ser treinador da Quinta foi a organização que me diziam que o clube tinha. Além disso, o facto de ser uma equipa grande que não ganhava um troféu há muito tempo era um desafio”, revela o técnico, que também “dizia que o clube era o Sporting CP do futebol popular”, pelo jejum de títulos, apesar da qualidade de jogadores e direção. Comparando com o emblema de Alvalade, que desde que quebrou o jejum de 19 anos sem conquistar o título nacional já voltou a vencer o campeonato, Peralta resfria a euforia em relação ao mesmo cenário vir a acontecer à Quinta. O treinador alerta que “não é fácil” que se repita uma temporada vitoriosa como a atual, relembrando que a equipa sempre foi uma outsider e que “a pré-época foi um bocado manhosa”, sem dar muito nas vistas. O treinador já havia referido que a equipa ia abordar a competição “jogo a jogo”, sendo que, na sua opinião, “quando se está na 1.ª divisão o objetivo tem de ser a manutenção”. Deste modo, a equipa paramense sempre achou que seria possível “fazer uma gracinha no campeonato e lutar pelas taças, sem fazer disso uma obsessão”. As defesas ganham campeonatos Passando do banco para o campo, a consistência defensiva tem sido um dos pilares para o sucesso dos novos campeões. Em 15 jogos disputados no campeonato, a Quinta sofreu apenas oito golos, menos seis do que a segunda melhor defesa da prova, o Rio Largo. Existe ainda um facto interessante relativo ao rendimento defensivo dos líderes. Na única vez em que a Quinta perdeu pontos, a equipa não sofreu golos, no empate a zeros com a Juventude Estrada. Deste modo, pode-se concluir que o registo defensivo da equipa não custou qualquer ponto na caminhada para o título. A liderar a muralha paramense está Manu, defesa-central e capitão da equipa. Apesar dos números expressivos da vitória que garantiu o título, 4-0, o jogador considera que o jogo acabou por “ser de muita pressão, pelo facto dos adeptos estarem à espera desse resultado para serem campeões. Acabámos por ser felizes, foi um resultado volumoso, mas os golos surgiram todos a acabar, o que demonstra a pressão que tínhamos”. A nível geral, o capitão confirma o discurso do seu timoneiro, afirmando que a equipa “nunca se deu como candidata”, mas que foi reparando que “era capaz e melhor que as outras equipas”. Mais do que ter uma defesa sólida ou um ataque goleador, Manu destaca a seriedade da equipa, apesar de terem existido jogos piores. “Fomos muito sérios e, quando demos por ela, tínhamos uma união criada, um grupo muito bom, e isso também se deve às vitórias consecutivas que tivemos. Melhor do que isso era impossível”, analisa. Outro dos pontos fortes da Quinta nesta temporada foi, segundo o capitão, o ambiente dentro do balneário. Manu revela que se tornou “fácil” lidar com as adversidades quando se tem um grupo como o dos campeões de 2023-2024. Além do central, existem mais quatro capitães, que trabalham de igual forma, mesmo que até possa ser Manu a “dar o grito”. Numa análise mais profunda, o jogador revela que não são só os capitães a liderar, uma vez que o “grupo tem elementos específicos para cobrir aquilo que um capitão não consegue fazer. Cada um tem de se sentir um líder lá dentro, foi isso que aconteceu. Nos momentos maus houve sempre alguém para nos ajudar, quando é assim tudo se torna fácil”. Começar de trás para a frente A gabar a qualidade da sua defesa, Peralta considera que a equipa conta com “quatro excelentes centrais, que encaixam em qualquer equipa do campeonato distrital. Se a defesa é coesa, já fica feito meio caminho para o sucesso”. Por sua vez, Manu elogia o papel dos jogadores mais adiantados no terreno na consistência defensiva da Quinta, lembrando o papel pressionante dos avançados e dos médios, “que ajudou à união e tranquilidade defensiva coletiva”. Apesar do registo defensivo da equipa ser o dado que mais se destaca, dada a clareza dos números, o ataque da Quinta também merece créditos nesta conquista. São 34 golos em 15 partidas, o que dá uma média de 2,27 por jogo, o que dá aos campeões o estatuto de segundo ataque mais concretizador desta 1.ª divisão RSTAR, com menos sete golos do que os Leões Bairristas. A contribuir para o registo ofensivo da formação paramense está Ricardo Sá, o melhor marcador da equipa no campeonato, com oito golos. Tal como revela, nem o avançado nem o clube tinham uma meta definida de golos para a temporada. “Está a ser uma época excelente, não estávamos a contar com estes resultados, é treino a treino e jogo a jogo. Chegámos a uma altura do campeonato em que olhámos uns para os outros e dissemos que íamos ser campeões”, confidencia o atacante. Vitórias contra os Leões foram decisivas Para Ricardo, entre os momentos mais marcantes da temporada está a vitória contra as Águias, que confirmou o título, o seu primeiro golo da época e o jogo contra os Leões Bairristas, na 11.ª jornada, em que a equipa venceu por 2-1, com o golo da vitória a surgir apenas nos instantes finais. Segundo o melhor marcador dos paramenses, este terá sido o jogo em que o plantel percebeu que o campeonato não iria escapar, “porque se defrontou uma das melhores equipas”, o que veio a trazer um grande aumento de confiança. De igual modo, Manu também escolhe a vitória frente aos Leões Bairristas como o momento mais importante, atestando o argumento do colega goleador. Se o jogo da segunda volta serviu para, praticamente, confirmar que o título não escapava, o duelo da primeira ronda, contra o mesmo adversário, serviu, na opinião do defesa, para criar a ideia de que o plantel pudesse lutar pelo campeonato. “Apesar de termos começado a acreditar, estivemos sempre conscientes e com os pés assentes no chão, porque já não era o primeiro ano em que a Quinta chegava a dezembro na liderança”, relembra. Mesmo com este histórico de estar no topo do campeonato e acabar sem razões para festejar, o capitão dos paramenses refere que a equipa “nunca teve nenhum trauma” na época. “É o tipo de coisa que nem nos vem à cabeça porque não nos demos como candidatos, só tínhamos de fazer o nosso melhor a cada jogo, sem medos”, acrescenta. Ao longo do seu percurso como treinador, Peralta sempre ficou na mesma equipa durante dois anos, em média. Como o primeiro ano ao serviço da Quinta foi tão positivo a vários níveis, o treinador acredita que pode ficar na equipa durante mais tempo. “As condições são excelentes, principalmente para os jogadores trabalharem, fazerem massagem ou fisioterapia. São aqueles miminhos que queríamos quando eramos jogadores e que, agora, quero para os meus atletas”, explica. Peralta considera que as condições providenciadas à equipa técnica foram decisivas, tal como a satisfação dos jogadores. Algo que o técnico também considera importante para o sucesso desta temporada foi o facto de a motivação ter estado sempre em alta. A juntar a todas as condições referidas para manter esta motivação no máximo, surgiu uma condição imposta pelo técnico. Se um fim de semana corresse da melhor maneira, e foi isso que aconteceu na esmagadora maioria das vezes, o treino da segunda-feira seguinte era bem mais relaxado. “Além de conhecer como jogadores, temos de os conhecer como pessoas e perceber que o futebol é um escape para a maioria. O quotidiano já é muito complicado e temos isto para nos relaxar”, argumenta Peralta, que destaca a importância dos convívios depois de treinos e jogos. A tática vencedora Taticamente falando, os novos campeões optaram por jogar, na maioria dos jogos, em 4-3-3, mas “quando era preciso” a equipa mudava para 4-4-2. O treinador considera que este é um sistema muito formal, jogando sempre dentro do seu meio-campo, “muito coesos e com noção da nossa posição no campo, porque para ter sucesso é preciso ter noção do espaço e jogar bem sem bola”. De forma curiosa, a escolha do 4-4-2 tanto dá para situações em que a equipa precisa de defender um resultado como para atacar uma desvantagem. Um dos exemplos mais marcantes da maleabilidade tática desta equipa foi um dos primeiros jogos do campeonato, em que a Quinta foi visitar o terreno dos Magos Anta. A equipa estava a perder por 2-0, aos 75 minutos de jogo, quando alterou o esquema e acabou por remontar para 2-3. Este foi outro dos destaques da época, um momento em que a equipa “sentiu uma estrelinha, que não acontece por acaso”, o que leva o técnico a dizer que a equipa nunca desistiu, “tal como a massa adepta”. Apesar de se poder considerar que a abordagem dos paramenses aos jogos seja de algum resguardo defensivo, Ricardo considera que esta maneira de jogar acaba por lhe ser benéfica, porque o jogador e a equipa “encaixam na perfeição”, além de permitir várias oportunidades ao goleador de serviço. “A perceção de jogo e o posicionamento são as minhas melhores qualidades que permitem ajudar a equipa, além de ter melhorado a finalização, ultimamente”, explicou o avançado, que voltou de uma pausa de três anos sem jogar. Acidentes aconteceram nas taças Ainda que a temporada da Quinta fique definida pela histórica conquista do campeonato, a participação do clube nas outras competições não foi tão positiva, até porque foi nessas provas que a equipa de Peralta provou o amargo sabor da derrota. No que à Taça Associação diz respeito, a equipa ficou na segunda posição do grupo D, com os mesmos pontos do Novasemente, que ficou em primeiro e chegou às meias-finais da prova, e do Bairro Ponte Anta, que ficou em terceiro lugar. A precisar de um ponto para garantir a presença na fase seguinte, a Quinta foi surpreendida pela formação do escalão inferior, perdendo por 0-2. A conjugação deste resultado com a vitória do Novasemente por 2-15 acabou por ditar a eliminação dos novos campeões. “Sabíamos que dependíamos de nós. Tivemos quatro ou cinco oportunidades claras que desperdiçámos, depois de sofrer o primeiro golo, já no fim do jogo, fomos com tudo para a frente e acabámos por sofrer o segundo”, descreve o treinador. O outro ponto negativo desta época dourada foi a eliminação da Taça Cidade de Espinho, que decorreu no último fim de semana. Num confronto de líderes das respetivas divisões, a Quinta foi derrotada, nas meias-finais, pelo Desportivo Ponte Anta por 3-2, num confronto que irá acontecer no próximo ano, visto que o adversário já garantiu a promoção. “São de uma divisão inferior, mas são uma excelente equipa, com um futebol de grande qualidade. Estava com algum medo deste jogo, não pelo adversário, mas por ter sido um jogo que veio depois da nossa festa”, confessou o treinador. Apesar deste plantel já ter garantido um lugar na história do clube e do futebol popular espinhense, os paramenses ainda podem lutar por mais um feito nos últimos três jogos do campeonato: acabar a temporada sem qualquer derrota. Para isso acontecer, terá de começar por vencer o Novasemente no próximo sábado, 18 de maio, às 15:00.